A responsabilidade do Governo

4.      A participação do Poder executivo

4.1                   A responsabilidade do poder executivo ficou caracterizada por sua participação nos fatos e nos atos praticados em favor de um operativo ilegal e contrário aos interesses sociais. Caracterizou-se, ainda, pela omissão das autoridades envolvidas no operativo as quais, embora advertidas, deixaram de adotar as providências de sua competência para restaurar a legalidade e a moralidade pública, agredidas pelo referido operativo, omissão que pode caracterizar a prática do crime de prevaricação.

4.2                   Ressaltemos, desde logo, que consideramos normal e até mesmo o cumprimento de um dever, a intervenção governamental nos assuntos internos de uma empresa sob controle acionário do Estado. O que não parece natural, nem defensável, sob a ótica da moralidade pública e dos bons costumes (que cabe ao governo promover e defender) é que essa intervenção se efetive em favor de uma operação ilegal, e contrária aos interesses dos cidadãos; colaborando para induzi-los ao erro, mediante a promessa enganosa de novos benefícios, dilapidando um patrimônio privado, constituído ao longo de quase 100 anos pela contribuição dos associados. Enfim, para favorecer a maior expropriação de recursos de um órgãos de previdência privada já ocorrido na história do país -, que foi a doação inicial pela PREVI, ao seu patrocinador, sob o rótulo fantasioso de participação em superávit, de um valor impressionante, superior a R$ 5 bilhões -, equivalente ao patrimônio líquido desse patrocinador e superior ao valor da venda das ações do governo na privatização da Cia. Vale do Rio Doce.

4.3                   O Senhor Pedro Parente, então titular do segundo posto na hierarquia do Ministério da Fazenda, também Presidente do Conselho de Administração do Banco comandou a aprovação do operativo no Conselho por ele presidido.

4.4                   Em 30.06.97, o Excelentíssimo Sr. Presidente da República editou o Decreto n°. 2267 (conhecido como decreto da Previ), nas áreas do Ministério da Fazenda e da Previdência Social, para permitir “por autorização do Ministro do Estado da pasta a que estiver vinculada a empresa patrocinadora, a pedido desta”, ultrapassar, excepcionalmente, o limite de complementação “equivalente a 3 vezes o valor do teto do salário de contribuição da previdência social” , fixado no Decreto n° 2111, de 26.12.96. Referido teto (uma restrição imposta pelo citado decreto 2111 ao alterar artigos do Decreto 81240/78), não é previsto expressamente nas leis previdenciárias sendo, pois, uma restrição juridicamente questionável. Mas já era aplicada pela PREVI desde 04.03.80.

4.4.1                A edição do Decreto n° 2267, a inclusão na reforma estatutária, de benefícios previstos em leis, e a concessão de reajustes anuais de benefícios, igualmente previstos em lei, foram as armas utilizadas para a obtenção de apoios, aproveitando-se da boa fé, da falta de informações, do desconhecimentos de direitos e das vicissitudes dos associados da PREVI, que estavam sem reajustes desde 1995.

4.5                   A imprensa noticiou a intervenção governamental. Em 08/07/97, a Gazeta do Povo na seção painel, Gazeta do Povo :

“Pedágio Federa1- Para alterar seus estatutos, a Previ foi obrigada pela equipe econômica a engolir um sapo gigante. A diretoria do fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil topou perdoar dívida de R$ 5.1 bi do banco com ela.

Pedágio Federal 2-Prevendo que o perdão de R$5,1 bi daria polêmica, a diretoria da Previ fez um comunicado aos funcionários. Trecho: “É imprescindível que se esteja atento a todo o tipo de exploração que surja através da imprensa.”

4.5.1                Em 11/03/98 a Folha de São Paulo, na seção painel, sob o título linha quente publicou o seguinte:

“A Casa Civil está pressionando a Secretaria de Previdência Complementar a aprovar acordo entre o Banco do Brasil e a Previ que teria um impacto positivo de R$ 80 mi no balanço do BB em 97. O balanço ainda não saiu porque a secretaria reluta”.

4.5.2                O Boletim Garef n°. 830, de 16.03.98, transcreveu a notícia acima, da Folha de São Paulo, comentando-a como segue , em síntese :

“A Secretaria de Previdência Complementar é o órgão do Poder executivo pelo controle e fiscalização das entidades fechadas de previdência. Fiscaliza os fundos a fim de resguardar os interesses dos associados. Da matéria jornalística podemos concluir que a Secretaria de Previdência Complementar, baseada na boa técnica de previdência privada não está concordando em homologar o acordo firmado entre o Banco do Brasil e a PREVI. É estranho que a Casa Civil, órgão de assessoramento direto do Presidente da República, esteja pressionando um órgãos técnico para que este aprove um acordo. Ou o negócio é bom e legal, e aí não precisa de intervenção alguma, ou não atende aos princípios da moralidade e legalidade e aí tornam-se necessárias as odiosas ingerências políticas”.

4.6    A omissão governamental

 

4.6.1                     O Exmo. Senhor Presidente da República recebeu, em 2.8.1999, ofício de 28.07.1999 firmado pela FAABB Federação das Associações de Aposentados do Banco do Brasil e pela UNAMIBB união Nacional dos Acionistas Minoritários do Banco do Brasil acompanhado de cópia do memorial de 19.07.99 dirigido à SPC Secretaria de Previdência Complementar noticiando as irregularidades e solicitando providências.

4.6.2                O Ministro a Fazenda, Pedro Malan, recebeu, em 21.10.97, memorial firmado pela Federação dos Empregados em estabelecimentos Bancários do Paraná, pela União Nacional dos Acionistas Minoritários do Banco do Brasil – Unamibb, e pela Federação das Associações dos Aposentados do Banco do Brasil solicitando suas providências para escoimar a operação “das violações legais, das irregularidades e impropriedades, mas não adotou nenhuma medida saneadora nem ofereceu qualquer explicação aos signatários. A prova de que o Ministro recebeu o referido memorial é a referência ao mesmo, feita na correspondência da Previ à SPC de 16.12.97, retransmitida à UNAMIBB pelo ofício SPS 2523, de 29.12.97 .Veja a carta

4.6.3                O Ministro da Previdência Social e Presidente do Conselho de Gestão da Previdência Complementar recebeu, em 10.03.2000 correspondência datada de 28.02.2000, firmada por Altair de Castro Pereira e outros funcionários do Banco, anexando cópia de memorial encaminhado a Secretaria da Previdência Complementar- SPC por diversas entidades, em 19.07.99, solicitando suas providências, o que não aconteceu.

4.6.4                A Secretaria da Previdência Complementar-SPC recebeu :

(a)   a carta UNAMIBB/entidades 97/01, de 09.12.97.

(b)  o memorial apontando as irregularidades e ilegalidades do acordo, e solicitando providências saneadoras, firmado pela Unamibb, pela Federação dos Empregados em Estabelecimentos Bancários do Paraná e pela Federação das Associações de Aposentados do Banco do Brasil; e

(c)  o ofício de 17.02.2000, da UNAMIBB, este último acompanhado de um estudo comparativo dos Balanços da Previ no período 94/98, efetuado para demonstrar as consequências do abatimento de 46,3116471% da dívida do Banco, refletidas no déficit estrutural de 1998, porém não adotou nenhuma das providência solicitadas, apesar de ser o órgão instituído pelo artigo 14 combinado com o artigo 19, e respectivas alíneas do decreto 81240/78, em cumprimento ao disposto no artigo 35 da Lei 6435/77, como responsável pela execução do controle e da fiscalização dos planos de benefícios e das atividades das entidades fechadas de previdência complementar.

4.6.5                Ainda mais: a SPC realizou uma fiscalização na PREVI, no período de 02.02.98 a 03.07.98, e o relatório dos fiscais, de 03.07.98, constante da Notificação de Fiscalização n°. 05l/98, revela a constatação sucessivas e contínuas transgressões de leis, dentre as quais o acordo BANCO X PREVI, sem que se tenha conhecimento de qualquer providência de seu titular no resguardo dos interesses dos associados. Eis o que consta sobre o acordo, na página 102, do relatório:

“7) – Contrato entre PREVI e Banco do Brasil S.A   

A PREVI firmou em 24.12.97, contrato com o Banco do Brasil S.A.., aditado em 09.02.98, objetivando disciplinar a forma do custeio necessário à constituição de parte equivalente a 53,6883529% do valor garantidor do pagamento do complemento de aposentadoria devido aos participantes admitidos no Banco do Brasil S.A. até 14.04.67, inclusive, e que tenham se aposentado ou venham a se aposentar após essa data, valor esse dimensionado pelo regime financeiro de capitalização. O total do valor garantidor é de R$10.959.48l.182,00, apurado em 01.12 97.

A cláusula Sétima do referido contrato dispõe que:

“do valor do superávit, apurado nos balanços anuais da PREVI, passível de utilização para redução de contribuições futuras, na forma da legislação vigente na data da sua apuração, 2/3 (dois terços) ou a proporção da contribuição do BANCO em relação à contribuição total mensal para o custeio do Plano de Benefícios a que está vinculado o GRUPO, serão considerados como contribuição amortizante antecipada, atualizados na forma da cláusula 4a. , e como tal contabilizados…”.

Da análise do contrato ressaltamos os seguintes tópicos :

·      Destinação do superávit : O contrato estabelece que 2/3 ou a proporção da contribuição do BANCO em relação à contribuição total mensal para custeio do plano de benefício, será contabilizada como contribuição amortizante antecipada. Fazendo uma analogia em relação à contabilidade das empresas privadas, o que está previsto na cláusula 7a. é a figura da distribuição de lucro, ou seja o superávit do exercício, será “distribuído se transformará em contribuição amortizante antecipada, sofrendo inclusive atualizações monetárias, conforme cláusula Quarta, para ser compensada com obrigação contratual do BANCO.

·      Superávit que se transforma em receita : O § 2o. da cláusula sétima estabelece que na ocorrência de déficit a parcela do superávit apropriado contabilmente como contribuição amortizante antecipada, atualizada na forma da cláusula Quarta, retornará como receita ao resultado da PREVI até o limite determinado pela aplicação da proporção referenciada no caput desta cláusula ao valor do déficit. Novamente aparece a figura do superávit retornando ao resultado da PREVI como receita.

·      Qual a destinação da Contribuição Amortizante Antecipada : Pela leitura do contrato, o montante das contribuições amortizantes antecipadas, acrescidas do superávit previsto na cláusula Sétima, constituirá um “FUNDO”, mas em nenhum momento está definido como será a utilização deste.

O estabelecido na cláusula Sétima fere o disposto nos parágrafos 2,3, e 4 do Art. 3o. do Decreto 606, de 20/07/92, além de conflitar com as normas contábeis vigentes aplicáveis às EFPP.”.(grifos nossos)

4.6.6 –             Outras irregularidades apontadas no Relatório de Fiscalização deixam dúvidas quanto a seriedade e a capacidade gerencial da PREVI e a eficiência de seus sistemas de controle.   Eis algumas :

·      “o Regimento Interno do Conselho Superior em seu artigo 8o. estabelece que “as atas das reuniões serão lançadas em livro próprio devidamente registrado”; o do Regimento Interno do Conselho Fiscal em seu item 1.9, estabelece que os pareceres e atas serão transcritos em livros próprios registrados na Junta Comercial”. Entretanto, “as atas relativas as reuniões do Conselho Fiscal, ocorridas até 30.05.90 e as do Conselho Superior, relativas às reuniões até 03.09.90 foram transcritas em livro próprio. Entretanto, a partir das datas acima, as atas passaram a ser elaboradas em folhas soltas, não sendo daí por diante, cumpridas as determinações emanadas dos Regimentos Internos acima citados”, o que infringe o artigo 38 da lei 6435. (pag. 5)

·      A PREVI exigindo carência para resgate das contribuições de funcionários exonerados confiscou as reservas de poupança de considerável número de associados exonerados pelo Banco, violando o inciso VIII do artigo 31 do decreto 81240, alterado pelos incisos VII e VIII do decreto 2111. (pags. 11/35)

·      “participantes constam no cadastro social como aposentados por tempo de serviço, situação 600, ou aposentados por invalidez, situação 610 e figuram ao arquivo de participantes ativos na reavaliação atuarial”. (pags. 56 a 59)

·      “participantes constam no cadastro social como falecidos, situação 850, figuram no arquivo de participantes ativos da reavaliação atuarial”. (pag. 59)

·      “participantes que constam no cadastro social como exonerados e que já receberam a devolução da reserva de poupança, figuram no arquivo de participantes ativos da reavaliação atuarial”. (pag.59/64)

·      “participantes que constam no cadastro social como aposentados não figuram no arquivo de participantes aposentados da reavaliação atuarial”. (pag. 64)

·      “participantes externos não figuram nos arquivos de reavaliação atuarial”. (pag. 64 a 68)

·      “os documentos que informaram o resultado das consultas ao corpo social relativas a aprovação das demonstrações contábeis, permitem supor que todas as demonstrações contábeis anuais relativas aos exercícios de 1992 a 1997, remetidas a SPC no prazo legal o foram sem a aprovação do corpo social”. (pag. 110 a 113)

·      “a entidade vem efetuando operações de “swap” não permitidas pela legislação e em desacordo com o parágrafo 1o. do artigo 40 da lei 6435″. (pag. 103).

·      “são citadas operações com o Grupo Unicor com descumprimento de prazos e outras cláusulas contratuais e prejuízos significativos, sem que a PREVI tomasse qualquer providência”.(pag.110)

·      “aquisição do Ed. Parque Morumbi, da Construtora São José com simultânea locação ao Grupo Unicor, por valor bem superior ao indicado pela IMOBI”, além de outras irregularidades, em virtude do que “recomendamos imediata instauração de auditoria para apurar irregularidades na condução do processo”. (pag. 111).

·      “a PREVI aprovou em 30.08.95 a negociação da compra do imóvel Meridien pelo valor de R$ 37.000.000,00, valor que projetava uma TIR superior a 13%. Transcorridos três meses de negociação a Diretoria aprovou a elevação da proposta inicial, aprovando em 14.11.95 o novo preço de R$ 41.400.000,00 para o Hotel e R$ 657.000,00 para 73 vagas de garagem, perfazendo o total de R$ 42.057.000,00. Posteriormente, em reunião de Diretoria de 28.05.96, o Diretor Técnico apresentou solicitação da vendedora que pleiteava receber uma diferença de preço, alegando que este havia sido negociado em dólar e não em real. Nessa reunião o pleito da vendedora não foi aceito. Este mesmo assunto foi tratado na reunião de Diretoria de 20.08.96. Nesta oportunidade a Diretoria aprovou o pagamento da diferença de R$ 1.943.000,00 em relação ao preço original aprovado em 14.11.95, ratificado em 28.05.96″. (pag. 112)

·      “caso Hospital Humberto I, a PREVI adquiriu os imóveis onde deveria ser construído um complexo Hospitalar mas a vendedora não cumpriu determinação constante da escritura de compra e venda que fixava prazo para a liquidação de suas obrigações. O empreendimento foi tratado em parecer de Azevedo Sette Advogados, onde se verifica a preocupação com a natureza jurídica resultante desta associação, com os aspectos sucessórios e com o elevado passivo conhecido e desconhecido da fundação Hospital Ítalo Brasileiro Humberto I”.

·      “Os 3 casos acima expostos demonstram a falta de zelo da Previ na aplicação do patrimônio de seus participantes, além de caracterizar situação de potencial prejuízo para a mesma”. (pag. 113)

4.6.7 A notificação de fiscalização n. 051/98, da SPC, consigna, ainda, as seguintes irregularidades:   

·      “pelo que apuramos, o Fundo da CAPEC em 12/90 montava em aproximadamente US$ 1.054.888,00 e em 31.12.96, era de apenas R$ 156.815,57, tento sido totalmente exaurido em 1997”. (pag. 84)

·      “os valores da carteira de pecúlio não vêm segregados dos valores da PREVI, conforme determina o Estatuto e as normas vigentes. Estão sendo segregadas as receitas de contribuições as receitas de provisões e os respectivos pagamentos do previstos. Não estão segregados o valor dos investimentos e o valor dos fundos disponíveis”. (pag. 94)

–   “1) Remuneração de Diretores e Conselheiros Fiscais :

      Em 1997, a Diretoria da Entidade aprovou pagamento de remuneração ao diretor   deliberativo, retroativo a 1996. Foi aprovada também Remuneração para diretores. O Estatuto/Regulamento vigente até 23.12.97, não previa a remuneração a dirigentes”. (pag. 54) Obs.: Em l997, os associados ativos e inativos da Previ, estavam sem reajuste desde l995.

4.7.                       As irregularidades acima apontadas poderão ser apuradas mediante rigorosa perícia atuarial e contábil, destinada a analisar, estudar e opinar sobre a real situação existente na PREVI e quais os caminhos a seguir.